sexta-feira, novembro 23, 2007

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e o Acesso a Medicamentos Essenciais

Ano 2, No.5, Novembro de 2007
André Medici
O acesso a medicamentos essenciais é um dos principais fatores que garante a efetividade dos serviços de saúde. Medicamentos são, para os processos de prevenção, tratamento e rehabilitação de enfermidades, tão importantes como as vacinas são para os processos de imunização. Uma consulta médica raramente alcança o resultado positivo esperado quando o paciente não tem acesso aos medicamentos prescritos.

Dada sua relevância, a universalização do acesso a medicamentos essenciais foi considerada como uma das metas associadas aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)[1]. A Meta 17 dos ODM compromete os governos dos países desenvolvidos, entre 1990 e 2015, a “proporcionar, aos países em desenvolvimento, em cooperação com as empresas farmacêuticas, acesso aos medicamentos essenciais a preços razoáveis”.

Não há como negar a contribuição que reuniões como essa tem trazido à história recente da humanidade. Em geral, elas funcionam como algumas leis promulgadas pelos congressos nacionais. Se definem compromissos institucionais que, muitas vêzes, não tem um alcance viável nos prazos estabelecidos, mas que funcionam como mecanismos de pressão para o progresso social[2]. Mas para que estas reuniões ganhem credibilidade junto a população, se deveria, ou postular objetivos e metas mais realistas, ou aumentar a capacidade de fazer cumprir os compromissos estabelecidos.

A primeira dificuldade em cumprir a meta 17 dos ODM está em encontrar uma definição operacional sobre o que são medicamentos essenciais. A segunda dificuldade, uma vez resolvida a primeira, consiste em definir os mecanismos de cooperação entre empresas farmacêuticas e govêrnos para que se encontre algum nível de compromisso com a obtenção do que se chama de “preços razoáveis”. A terceira dificuldade consiste em mobilizar os recursos humanos, financeiros e logísticos, ao nivel de cada país, para facilitar o acesso aos medicamentos essenciais. Tal mobilização não depende das indústrias farmacêuticas, mas sim dos governos nacionais que, na maioria dos países em desenvolvimento, não encontraram até hoje mecanismos razoáveis de regulação e gestão que combinem a extensão de cobertura dos serviços de saúde com o acesso regular a medicamentos essenciais, especialmente nas localidades onde vivem os mais pobres e excluídos.

O conceito de medicamentos essenciais é, ao mesmo tempo, simples e complexo. Simples pela sua definição. Complexo pela dificuldade de aplicação ao contexto específico de cada país ou região. Vejamos o que diz a definição dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS): “Medicamentos essenciais são aqueles que satisfazem as necessidades prioritárias de saúde da população. Eles são selecionados de acordo com sua relevância em saúde pública, segundo evidências de sua eficácia e segurança e em conformidade com a melhor relação custo-efetividade. Medicamentos essenciais devem estar sempre disponíveis para atender às necessidades dos sistemas de saúde, nas proporções e dosagens adequadas, com qualidade assegurada e informação adequada, e a um preço que os indivíduos e as comunidades possam pagar[3].

Sabemos que as necessidades de saúde não são as mesmas para cada tipo de nação ou região. Portanto, os medicamentos essenciais que deveriam estar disponíveis para os países como Rwanda não são os mesmos que deveriam estar disponíveis na Finlândia. Necessidades de saúde estão associadas, basicamente ao ranking de patologias que formam a carga de enfermidade, tanto associada à mortalidade como a morbidade, atribuível a cada país.

É por este motivo que a OMS elabora, desde 1977, uma lista de medicamentos essenciais, a qual é constantemente atualizada através de consultas aos países membros. A primeira lista continha cerca de 200 medicamentos e a atualmente vigente conta com cerca de 310. No entanto, pouco tem avançado, em termos práticos, a possibilidade de alcançar a disponibilidade e acesso a estes medicamentos na maioria dos países.

Entre os ODM, podemos encontrar cinco metas específicas associadas ao setor saúde: a meta 2 (associada à redução da fome e da desnutrição); a meta 5 (associada à redução da mortalidade de crianças menores de 5 anos); a meta 6 (associada à redução da mortalidade materna); a meta 7 (associada à redução da incidência de HIV-AIDS) e a meta 8 (associada a redução de malária e outras doenças transmissíveis). Ao nivel global, se tem defendido que estas metas deveriam ser àquelas para as quais se deveria priorizar a produção de medicamentos essenciais. Esse tem sido o entendimento que se tem levado a cabo nos acordos comerciais associados à produção de medicamentos, onde as empresas farmacêuticas, organismos internacionais e mega-entidades filantrópicas privadas como a Fundação GATES tem buscado meios para tornar acessível o acesso aos medicamentos essenciais associados ao alcance destas metas.

Se observarmos quanto os ODM representam da carga de doença (medida em anos de vida saudáveis – AVISA - perdidos) de cada Região Mundial vamos descobrir que existe uma grande discrepância entre as metas do milênio e as prioridades de saúde de cada Região. Enquanto as metas de saúde associadas aos ODM representam mais de 95% da carga de doença (AVISA perdidos) da África Sub-sahariana, eles representam somente 6% da carga de doença dos países de industrialização avançada, 11% da do Leste Europeu e Ásia Central e 17% nos países da América Latina e Caribe, respectivamente.

Portanto, os medicamentos essenciais para a África Sub-Sahariana, onde a mortalidade infantil, a desnutrição e as doenças infecciosas respondem pelo grande déficit de AVISA, não deveriam ser os mesmos para cobrir as necessidades da América Latina e Caribe, onde a maioria dos AVISA perdidos se associa a doenças crônicas e a causas externas, e onde os mais pobres morrem precocemente pela falta de acesso aos medicamentos caros para o tratamento de fatores de risco como pressão arterial, colesterol elevado ou diabetes.
Uma versão completa deste artigo, com dados e evidências sobre os medicamentos essenciais na Região, pode ser encontrada na Revista Saúde em Debate, No. 72, junho-abril de 2006, Ed. CEBES. Abaixo pode ser encontrado o link da Revista
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[1] Os ODM foram estabelecidos através de acordos entre os países em diversas reuniões internacionais, realizadas entre 1996 e 2002. A Declaração do Milênio das Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em setembro de 2000, consensuada por 189 países, pactuou um conjunto de 8 objetivos, desdobrados em 18 metas que seriam essenciais para a redução das disparidades globais e aceleração do desenvolvimento dos países mais pobres e deveriam ser atingidas até o ano 2015. Estas metas foram rediscutidas na Conferencia de Monterrey, em março de 2002, onde se consensuou a responsabilidade dos países ricos em mobilizar recursos para o desenvolvimento e na Conferência de Johannesburg, realizada em setembro de 2002, onde se enfatizou o compromisso global com a redução da pobreza.

[2] Um interessante exemplo foi dado pela Organização Panamericana de Saúde que, nos anos 80, definiu como lema para a América Latina, a meta “Saúde para todos no ano 2000”. Ao participar de uma reunião nesta mesma entidade no ano 2000, fui testemunha ocular de um interessante discurso, quando, ao deparar-se com a realidade dos indicadores de saúde regionais, as autoridades presentes redefiniram a meta como “Saúde para todos no prazo mais curto possível”.
[3] WHO (2002), “The Selection and Use of Essential Medicines”. Report of the WHO Expert Committee, including the 12th Model List of Essential Medicines. WHO Technical Report Series No.914.

quarta-feira, agosto 01, 2007

Responsabilidade Social, Meio-Ambiente e Saúde

Ano 2, No.4, Agosto de 2007
André Medici

Os resquícios do passado
Nos últimos 30 anos, a preocupação com a aceleração do processo de degradação ambiental, antes restrita a cientistas, militantes de movimentos ecológicos ou a grupos mais bem informados, ganhou dimensões sociais mais amplas. Movimentos internacionais mobilizam milhões de pessoas em todo o mundo na defesa de soluções para reduzir os efeitos negativos do atual processo de desenvolvimento ao ponto de promover uma sociedade ambientalmente sustentável. Projeções baseadas em estudos científicos e evidencias estatísticas mostram que os efeitos do aquecimento global serão maiores e irreversíveis se não mudarem os atuais modos de produzir, consumir e utilizar os recursos naturais renováveis e não renováveis existentes no planeta.

O desenvolvimento das sociedades de consumo modernas trouxe muitos benefícios para a humanidade. Os últimos 250 anos marcaram um progresso sem precedentes na disponibilidade de bens, na redução da pobreza relativa, na cura de doenças transmissíveis e não transmissíveis e no prolongamento da vida. Como conseqüência deste padrão de desenvolvimento, a população mundial passou de 700 milhões a 6,1 bilhões de habitantes no ano 2000, podendo chegar aos 8,9 billhões em 2050. Cerca de 90% desta população estará vivendo em países em desenvolvimento, como o Brasil, e a maioria delas vivera em áreas urbanas.

Da mesma forma como podemos atribuir aos países desenvolvidos os benefícios trazidos pelo processo de desenvolvimento global, dada a capacidade destes na geração de ciência e tecnologia associada ao progresso das condições materiais da humanidade, podemos dizer que os problemas ambientais globais seriam resultado, majoritariamente, do padrão de consumo desses mesmos países. A globalização, ao aumentar a inter-dependência produtiva internacional, tem reduzido a sustentabilidade ambiental ao aumentar a divisão internacional do trabalho baseada em vantagens comparativas e intensificar o rítmo de exploração de recursos naturais, energia e produção de poluentes e emissões que reduzen a disponibilidade de recursos naturais renováveis e contribuem com o aquecimento global e a mudança climática. A escala crescente e cumulativa das atividades humanas tem provocado impactos ambientais de caráter mundial, como a diminuição da camada de ozônio, a redução da biodiversidade, e o aumento da desertificação e da seca (chamados "males públicos globais"), os quais afetam interesses comuns que extrapolam perspectivas nacionais.

Os países em desenvolvimento também tem sua cota de responsabilidade dado que, nos anos mais recentes, tem contribuido com atividades que acentuam o desmatamento, a desertificação e a redução dos mananciais hídricos, intensificando os problemas emergentes anterioremente mencionados. Países de industrialização recente que se incorporaram massivamente à produção para o consumo mundial, como a China e a Índia, intensificam ainda mais esse processo, dadas suas elevadas taxas de crescimento e o uso de processos tecnológicos condenados por sua alta contribuição aos fatores que causam a inseguridade ambiental contemporânea. Nestes países, dada a imensa desigualdade social, as consequências da degradação ambiental são sofridas diretamente pelas populações mais pobres, onde questões como a falta de saneamento e condições inadequadas de moradia são intensificadas pelo esgotamento de recursos naturais (água, solos, etc.) e pela má qualidade ambiental.

Portanto, não se pode atribuir o atual grau de degradação ambiental global apenas ao crescimento da população, mas principalmente aos padrões de produção e consumo. O futuro da problemática ambiental mundial dependerá basicamente da evolução do grau de incorporação de países atualmente em desenvolvimento aos padrões de uso de recursos naturais que progressivamente passam a prevalecer nas sociedades industrializadas e do ritmo de desenvolvimento e adoção de tecnologias que permitam padrões de produção e consumo mais condizentes com o bem-estar ambiental, tanto nos países atualmente desenvolvidos, como naqueles que deverão se desenvolver nos próximos anos.

Saúde e Meio Ambiente nos Municípios Brasileiros

As questões ambientais que afetam de maneira mais direta o quotidiano da maioria da população brasileira deverão ser resolvidas no âmbito de espaços urbanos e ao nivel do desenvolvimento local, e não em espaços naturais ou intocados. Dado o crescimento vertiginoso da urbanização no Brasil, que alcança quase 90% da população do país, as cidades mal administradas são as maiores fontes de problemas, mas também os principais espaços para soluções eficientes aos problemas ambientais brasileiros.

O crescimento econômico das cidades leva a necessidades crescentes de energia e combustível, mas políticas energéticas ineficientes e poluentes, inadequadas políticas de transporte e desperdício de energia lançam desnecessariamente grandes quantidades de gases tóxicos para a atmosfera. Com isso, aumenta a incidência de doenças respiratórias, responsáveis pela morbidade e mortalidade de milhares de crianças e pessoas idosas nas cidades brasileiras de médio e grande porte. Ao mesmo tempo se reduz a possibilidade de realização de atividades esportivas em áreas verdes, dada a má qualidade do ar, aumentando a probabilidade de incidência de doenças crônicas pelo sedentarismo e a falta de atividade física da população adulta.

A falta de infra-estrutura ambiental urbana básica na maior parte das cidades brasileiras canaliza uma torrente de dejetos e esgotos não tratados para os rios, lagos e zonas costeiras, prejudicando os ecossistemas e ameaçando a produtividade e segurança dos corpos d'água. Este processo, associado a falta de condições básicas de saneamento, água e esgôto nos domicilios mais pobres, aumenta a incidência de doenças transmissíveis por veiculação hídrica, a desnutrição, a mortalidade por diarréia e a insegurança em consumir alimentos frescos de origem vegetal.

Os governos locais não dispõe, em muitos casos, de recursos financeiros, físicos e humanos necessários para fazer frente a estes desafios. Dada a dificuldade em obter apoios e parcerias dos governos estaduais e federal, torna-se necessária a busca de soluções alternativas que possibilitem parcerias entre a população organizada, os governos municipais e as empresas que investem e que fazem parte da comunidade em cada localidade.

O papel da consciência social e a responsabilidade coroporativa

A consciência ambiental no Brasil emergiu na primeira metade da década de 1970, por meio de algumas poucas associações que realizavam campanhas de denúncia e conscientização pública de âmbito local, mas que obtiveram mínima repercussão na opinião pública. Até meados da década de 80 os movimentos ambientais brasileiros se baseavam em agências públicas federais (SEMA) e estatais (FEEMA, CETESB, etc.) e grupos de base que atuavam esparçamente na área de conservação ou defesa ambiental. Ainda sem muita expressão, reivindicavam apenas o controle da poluição urbana-rural e a preservação dos ecossistemas naturais. Não havia ainda a preocupação ambiental global.

Ainda que se tenham desenvolvido inúmeros instrumentos legais durante os anos setenta, oitenta e noventa, a questão ambiental continua a ser tratada de forma pouco efetiva, não só no âmbito governamental mas, principalmente, pelos atores sociais que muitas vêzes ignoram os direitos e deveres que lhes competem. A visão antropocêntrica do meio ambiente, ligada aos princípios do poluidor-pagador e usuário-pagador, é a que prevalece na legislação brasileira e de fato, poucos incentivos tem sido criados para que aumente a eficácia da proteção ambiental face à nova realidade de busca pelo desenvolvimento sustentável.

A mudança de paradigmas se faz necessária. E, é neste tocante que se poderiam incluir dois conceitos novos: o de responsabilidade social corporativa (RSC) e o de uma nova filosofia de incentivos como a compensação por serviços ambientais (CSA).

a) Responsabilidade Social Corporativa (RSC)
Dada as limitações dos Estados modernos em prover os meios necessários para o desenvolvimento econômico e social das populações, o comportamento de empresas nos últimos anos tem abandonado a visão de Milton Friedman de que o objetivo da empresa se esgota na maximização do lucro. Se por um lado o setor privado tem cada vez mais lugar de destaque na criação de riqueza; por outro lado, é bem sabido maiores poderes implicam também em maiores responsabilidades. Em função da capacidade criativa já existente, e dos recursos financeiros e humanos já disponíveis, as empresas têm uma responsabilidade social latente. Caberia aos municípios e a população organizada cobrar destas empresas para que elas passem a atuar de forma mais efetiva en transformar essa responsabilidade social em responsabilidade efetiva.

Ainda que seja recente, a ideia de RSC se incorpora ao cotidiano das empresas, da mesma forma que o surgimento de novas demandas e maior pressão por transparência nos negócios. Assim, as empresas se vêem forçadas a adotar uma postura socialmente mais responsável em suas ações.

A ideia de RSC não se confunde com a de filantropia. As razões por trás desse paradigma não interessam somente ao bem estar social, mas também envolvem melhor performance nos negócios e, conseqüentemente, podem até mesmo levar a uma maior lucratividade por parte das empresas, beneficiando deste forma a todos os parceiros: a população, que passa a desfrutar de cidades mais limpas e ambientalmente saudáveis, os governos locais que minimizam seus custos em consertar os estragos ambientais e em cuidar da saúde de sua população e as empresas, que passam a ser mais respeitadas em sua comunidade, com efeitos positivos em seus negócios. A busca de RSC tem como princípios básicos o pluralismo, o associativismo, a sustentabilidade e a transparencia.

O pluralismo se expressa pelo fato de que as empresas não devem satisfação somente aos seus accionistas, mas também aos seus empregados, a mídia, ao governo e aos consumidores. Uma empresa que atua de forma plural permite um diálogo mas participativo e logra maior legitimidade social. O associativismo leva uma empresa a manter relações éticas e responsáveis com os integrantes de sua cadeia produtiva.. Seu produto final e seu processo produtivo deve ser avaliado pelos seus parceiros segundo fatores ambientais e sociais, tomando em conta o conceito de interesse comum. A sustentabilidade leva uma empresa a comprometer-se com o conceito de desenvolvimento sustentável. Uma atitude responsável em relação ao ambiente e à sociedade, não só evita a escassez de recursos evita a prevenção de riscos futuros, como impactos ambientais ou processos judiciais. Por fim, a transparencia leva a empresa a comprometer-se em divulgar sua performance social e ambiental, os impactos de suas atividades e as medidas tomadas para prevenção ou compensação de acidentes.

b) A Compensação por serviços ambientais (CSA)

As CSA´s constituem uma importante ferramenta para a geração de meios e serviços que se fazem necessários a uma sadia qualidade de vida, pois permite e incentiva a utilização da natureza de forma sustentável. Mecanismos de compensações e prêmios pela conservação e restauração de serviços ambientais podem ser importantes instrumentos para a promoção da sustentabilidade social, ambiental e econômica, sobretudo de populações que habitam áreas estratégicas para a conservação da biodiversidade, a produção de água, a proteção de mananciais e florestas, a produção de alimentos sadios e até para o exercício de atividades recreativas, religiosas e turísticas.

O conceito de CSA abandona o tipo de política ambiental baseada no princípio do poluidor-pagador ou do usuário-pagador e passa para outro que se orienta pelo princípio do protetor-receptor, através da transferência de recursos ou benefícios da parte que se beneficia diretamente da natureza para a parte que auxilia na conservação do meio ambiente. São exemplos de tais benefícios: a transferência de recursos financeiros; o favorecimento na obtenção de crédito; a garantia de acesso a mercados e programas especiais; a isenção de taxas e impostos e a disponibilização de tecnologia e capacitação, entre outros.

Dessa forma, são gerados incentivos reais para que empresas e cidades procurem ser ambientalmente sustentáveis e permitam um mecanismo instituticional de captação de recursos nacionais e internacionais de empresas que tenham responsabilidade social e de fundos internacionais comprometidos com recursos ambientais.

Conclusões

A implementação de processos que combinem uma atuação eficiente de governos locais, empresas e comunidade na defesa do meio ambiente e de melhores condições de saúde ambiental não é uma tarefa fácil. Ela exige um trabalho inter-setorial, transprofissional e fortes parcerias institucionais na busca de idéias consensuais.

Um município que deseje atuar nesta área deveria partir para o estabelecimento de três fases na construção dessas idéias que passassem por três fases: a) a construção de alianças e a consensuação de valores; b) O desenho de um plano de ação; c) O financiamento e a implementação deste plano de ação.

A primeira fase envolve um papel ativo dos governos municipais na identificação de atores na comunidade e de empresas locais que estejam interessadas nos projetos setoriais. Consultas a bancos idéias, como as existentes no Bench Marking Ambiental Brasileiro[1], ou outras nacionais e estrangeiros seriam fundamentais para identificar experiências exitosas associadas as atividades empresariais desenvolvidas ou existentes em cada município. A identificação dos problemas existentes como áreas a preservar, problemas de saúde a evitar, valores e ações coletivas a promover, mecanismos de disseminação desses valores e promoção das ações coletivas entre a comunidade seriam exemplos de atividades constituientes dessa primeira fase.

A segunda fase envolve a criação de um comitê executivo responsável pelo desenho de um plano de ação que permita planejar as ações associadas para ao alcance de metas e resultados associados aos valores estabelecidos e os mecanismos para implementar e financiar estas ações. Não somente recursos locais, mas também recursos estaduais e nacionais, assim como internacionais, poderiam ser identificados e utilizados neste processo, dado que as ações propostas certamente estarão dentro do ideário de muitos dos milhares de fundos e fontes de recursos nacionais e internacionais existentes para estes propósitos.

A terceira fase é a mais importante, dado que não só permitirá implementar o Plano de Ação, mas principalmente torna-lo sustentável a longo prazo. Tal sustentabilidade se baseará num diálogo permanente e repactuação quando necessário das metas estabelecidas entre a comunidade, o governo e as empresas locais. É necessário que todos tenham a criatividade necessária para que não percam seu espaço no curto prazo, mas também muitas vêzes abdicar dos objetivos supérfluos de curto-prazo por objetivos de sustentabilidade e qualidade de vida a mais longo prazo, e que permitam beneficiar às futuras gerações.

Para que estes passos se concretem é necessária uma filosofia de contágio. Como uma febre ou uma doença infecciosa, toda a população da cidade deverá progressivamente estar contagiada pela idéia, fazer parte dela e participar com suas contribuições no desenho e na implementação. Por isso, realizar a idéia em pequenas cidades pode ser mais fácil pela proximidade dos contatos, pela simplicidade dos problemas e pela rapidez em alcançar os resultados. Estas poderão servir de modêlo para as médias e grandes cidades.

Governos de países desenvolvidos, organismos internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), através de projetos como o PROCIDADES, programas do governo federal e empresas nacionais e estrangeiras operando no Brasil poderiam financiar a curto prazo estas iniciativas. Estas últimas contariam com incentivos fiscais e melhorariam sua imagem ao realizar estes projetos.

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[1] O Programa de Benchmarking Ambiental Brasileiro é uma das grandes iniciativas que promove a responsabilidade social corporativa e ao mesmo tempo gera um banco de idéias para estratégias inovadoras de compensação por serviços ambientais, incentivando que empresas e fundos nacionais e estrangeiros possam investir no processo de desenvolvimento sustentável do Brasil. Iniciado em 2003, já premiou mais de 50 empresas brasileiras que implementaram projetos interessantes nas áreas de responsabilidade social corporativa e compensações por incentivos ambientais. Acesso eletrônico aos casos e experiências desenvolvidas pelo programa podem ser acessados em http://www.benchmarkingbrasil.com.br/.

sexta-feira, junho 15, 2007

Os Ministérios da Saúde na América Latina e o Financiamento Internacional

Ano 2, No. 3, Junho 2007


Tarde de fim de maio em Manágua. O calor da manhã se torna mais ameno com a chuva do início da tarde. Sem água e sem luz - cena que se repete praticamente todas as tardes - os funcionários deixam seu trabalho e andam pelos corredores escuros ou conversam descansadamente nos pátios externos do Ministério da Saúde. O gerador elétrico, embora insuficiente para suprir as necessidades do prédio, ilumina e refrigera a sala de reunião da Ministra de Saúde, Margarita Cuán, enquanto planeja negocia e tenta armar estratégias com sua equipe.

Entre seus desafíos, como chefe desta pasta no Governo eleito do Presidente Daniel Ortega, ela terá que conseguir driblar a falta de recursos orçamentários para sustentar a rede de saúde. Terá que motivar os médicos e funcionários sem estímulo para atender uma demanda insatisfeita por melhores condições de saúde num clima de baixos salários e más condições de trabalho. Terá que lidar com hospitais e postos de saúde semi-destruidos pela falta de investimentos em infra-estrutura e desabastecidos de medicamentos e insumos básicos e terá que promover uma ação ética e de combate a corrupção setorial que está nos poros de toda a administração pública.

Como herança, recebeu vários projetos de investimento e doações de Bancos Multilaterais, de organizações das Nações Unidas e da cooperação técnica dos países desenvolvidos. A soma desses recursos é considerável e, se bem adminstrada, poderia resolver a médio e longo prazo partes das carências de investimento do sistema de saúde. No entanto, os recursos estão atados a projetos que não foram desenvolvidos por sua equipe, a qual substituiu quase integralmente a equipe do governo anterior. A gestão destes recursos representa um enorme custo de transação para o Ministério, já que cada projeto esta submetido à regras distintas de demonstração dos gastos, avaliação de resultados, compras e licitações, sistemas de controle interno e auditoria e absorvem o tempo e inteligência dos funcionários e técnicos do Ministério que poderiam estar se dedicando mais ao planejamento e execução de programas para melhor atender às necessidades de saúde da carente população do país.

A ajuda internacional – financeira e não financeira – cobre temáticamente todas as áreas que poderiam fazer do Ministério um exemplo de administração. Ao abrir as portas das oficinas do Ministério, desabam das prateleiras instáveis pilhas de informes de consultoria – todos muito bons e revolucionários em suas propostas de solução para os problemas do país – mas que caducam pela falta de recursos financeiros, técnicos e humanos para sua implementação. Muitos deles não contaram com funcionários do Ministério para sua elaboração e, dessa forma, não foram absorvidos por aqueles que administram as emergências do sistema no dia-a-dia. Os poucos funcionários que aprenderam alguma coisa ao participar de sua elaboração aumentaram seu conhecimento e poder mas se frustaram em não conseguir implementar o que aprenderam. Alguns, resolveram abandonar a causa pública nacional e ganhar dinheiro em consultorias internacionais em outros países similares para elaborar relatórios similares que, também de forma similar, tem poucas chances de implementação.

Por todos esses motivos, o diálogo do novo Ministério com os organismos internacionais, a cooperação técnica bilateral e os bancos multilaterais tem sido lento e difícil. Projetos em execução tem sido aceitos com certas reservas, procurando utilizar as margens de monobra que tem para mudar componentes e atividades de acordo com suas metas ministeriais ainda em processo de definição. Recursos novos ou programados para o futuro devem ser examinados com muito cuidado para que complementem as atividades que faltam no dia-a-dia do setor.

Este processo não deixa de ter seus custos de transação para o país. Afinal de contas, a descontinuidade ou paralização dos projetos em execução ou negociação aumenta ainda o tempo necessário para a transformação e fortalecimento das instituições públicas de um país que tem um governo débil pela falta de recursos financieros, físicos, humanos e instrumentos gerenciais. Como país pobre altamente endividado (HIPC), Nicaragua tem recebido frequentemente o perdão de sua divida junto aos organismos financeiros internacionais e o novo Governo de Daniel Ortega já tem obtido condições favoráveis nesse sentido. Mas a paralização de projetos baseados em empréstimos ou doações tem custos financeiros para o país, no primeiro caso, e interrompem o fluxo de recursos de doação, no segundo caso, postergando a solução de problemas e o alcance de metas de gestão, tema que está sob suspeita aos olhos da nova administração.

A Ministra tem seus motivos. Frequentemente se queixa que os projetos internacionais levam o Ministério a contratar consultores externos, com salários muito superiores aos quadros da administração pública, para operação e implementação de programas que não são de interesse nacional. Obrigam os governos a contratar empresas consultoras nacionais e internacionais que entregram seus produtos e somem sem dar assistência técnica para a transferência de conhecimento aos quadros ministeriais ou às administrações locais. Em suas próprias palavras, não aceitará mais a venda de experiências piloto ou demonstrativas e quer que os recursos transferidos pelos organismos externos se somem ao orçamento nacional para financiar suas estratégias ainda em definição e o custeio das atividades correntes do Ministerio.

Os organismos externos (internacionais, bilaterais, multilaterais), por sua vez, não escutam adequadamente ou levam em consideração as demandas dos Ministérios e em muitos casos trazem soluções que, ainda que provadas em outros contextos, dificilmente se adaptariam às condições sociais e culturais nacionais e locais. Não sensibilizam ou transferem conhecimento aos funcionarios locais para o uso destas soluções. Não documentam adequadamente as experiências realizadas. Mas, com razão, também não aceitam facilmente que os recursos internacionais sejam utilizados para o financiamento de gastos correntes, como pessoal e consumo de materiais, já que desta forma estariam perdendo a oportunidade de usar estes recursos para realizar investimentos que poderão melhorar no futuro as condições de saúde do país. A debilidade maior dos Ministérios da Saúde em países pobres latino-americanos reside na falta de recursos para investimento e melhorias de gestão, o que poderia ser suprido pelo financiamento externo.

Joseph Stiglitz, - premio Nobel de economia em 2001, ex-chefe do Conselho de Assessoria Econômica da Administração Clinton e ex-economista-chefe do Banco Mundial na administração Wolfenson - falando de sua experiência no Governo norte-americano, relatou que sabia que não só as idéias, mas também a política é importante, e uma de suas tarefas era convencer o Presidente Clinton de que uma boa gestão econômica também era a melhor política. Mas ao mudar para o Banco Mundial, descobriu que nem a boa gestão econômica e nem a boa política dominavam as relações entre os governos e os organismos internacionais. As decisões eram tomadas por uma mistura de ideologia e desastrada política econômica, baseando-se em dogmas que muitas vezes eram uma cortina de fumaça que escondia os reais interesses pactados.

Alguns organismos externos bilaterais utilizam seus recursos de cooperação técnica como meio para abrir mercados para as empresas, produtos e consultores de seus países, obrigando os países receptores a atar os recursos de financiamento à aquição de bens e serviços do país que concede os recursos. Mas ao fazer isso, perdem a perspectiva de que o verdadeiro benefício que poderiam gerar – não somente para os países que recebem os recursos mas para os próprios mercados internacionais – é a criação de condições de desenvolvimento sustentável que alimentem no futuro a participação do país que recebe os recursos nos mercados globais de importação e exportação, em condições que aumentem a equidade e reduzam o hiato de desenvolvimento entre as nações.

As estratégias de curto prazo traçadas pelos organismos financeiros internacionais e bilaterais podem, nessa perspectiva, obstaculizar tanto a melhoria dos mercados internos e a utilização e crescimento da inteligência local como as condições de comércio e bem-estar no contexto global a longo prazo, mesmo que as intenções explícitas destas instituições sejam opostas.

Nicaragua tem sido apontada como um dos países onde existem boas perscectivas de funcionamento de um acordo de coordenação setorial de insitituições internacionais, bilaterais e multilaterais (SWAP) na área de saúde. Mas, embora exista um documento que defina as regras e os mecanismos em que se baseia este acordo, os progressos concretos do SWAP tem sido questionáveis:

a) Primeiro, porque a suposta coordenação, desde o governo anterior, não tem tido a participação ativa do Ministério da Saúde na definição das prioridades. As reuniões de coordenação ocorrem por iniciativa das instituições financiadoras e poucas vezes os técnicos do Ministério se somam a elas. Assim, as prioridades acabam sendo definidas pela cooperação externa e o empoderamento e o interesse do Ministério da Saúde para sua execução é baixo ou inexistente;

b) Em segundo lugar, porque, dada a debilidade dos mecanismos de compras, administração financeira e auditoria do Ministério da Saúde, algumas das organizações participantes do SWAP – em geral as que mais aportam recursos financeiros - mantém formal ou informalmente suas regras de gestão, demonstração financeira e auditoria dos recursos desembolsados pelo Ministério, fazendo com que o esforço de prestar contas passe a ser maior do que o de implementar os programas.

As soluções para as queixas de ambos os lados – governos e organismos internacionais – está na busca de instrumentos de coordenação, negociação, avaliação dos contextos nacionais de saúde, diálogo com atores relevantes, identificação e provisão de um mix de recursos internos e externos para o investimento. Uma melhor coordenação inter-setorial interna no desenho, implementação e avaliação de políticas factíveis e sustentáveis a longo prazo (com os recursos orçamentários alocados de livre e expontânea vontade pelos governos dos países) é outra condição sine-qua-non.

Por fim, para que este processo seja viável, os protagonistas devem ser os técnicos e funcionários dos Ministérios da Saúde e não os bem intencionados técnicos e dirigentes dos organismos internacionais. Estes poderão continuar com seu importante trabalho de dar sugestões, promover recursos para executar aquelas que são aceitas e transferir conhecimento e tecnologia e capacitação para os funcionários dos Ministérios. Mas terão que ficar fora de cena. O palco, o foco e a cadeira de direção deverão estar nas mãos dos Ministérios da Saúde.

A verdade é que, ao diminuir o rítmo de repasse de recursos e rediscutir o papel dos instrumentos de financiamento e coordenação de organismos externos, a Ministra tem um ponto importante. É o país quem decide. Mas o país só decide adequadamente se conseguir manter motivados seus quadros de pessoal, ter instrumentos de comunicação e sensibilização da população sobre o tema e garantir, das autoridades financieras nacionais, os recursos necessários para o financiamento da saúde como prioridade imediata. Sem resolver estes temas, o Ministério da Saúde rapidamente não tardará a ser reconhecido mais uma vez pela cooperação internacional como um tigre de papel e perderá progressivamente a capacidade de ter acesso aos recursos e usar adequadamente o potencial de geração e transferência de conhecimento que esses organismos podem oferecer, sob a administração responsável dos dirigentes nacionais.

sábado, janeiro 13, 2007

Sumindo no mapa da saúde mundial

Ano 2, No. 2, Janeiro 2007
André Medici

Introdução

A última eleição para Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), finalizada em 7 de Novembro de 2006, foi uma das mais disputadas de sua história e marca uma crescente politicação para a escolha de cargos nas instituições globais de saúde. Em organizações como esta, onde as decisões baseadas em evidência podem salvar a vida de milhões de pessoas a cada ano, deveria prevalecer uma condução técnica, ainda que acordos políticos associados ao processo de escolha do Diretor sejam quase sempre inevitáveis. A vencedora nas últimas eleições foi Margaret Chan, candidata da China, que independentemente de seu mérito e historia pessoal, reafirma a crescente hegemonia asiática na condução dessa organização

Treze candidatos se apresentaram para esta organização, sendo que destes, dois representavam a América Latina: Alfredo Palácio Gonzales, presidente em final de mandato do Equador e Julio Frenk-Mora, Secretário de Saúde do México (cargo equivalente ao de Ministro da Saúde no Brasil). Dificuldades associadas à sucessão presidencial no Equador levaram Palácios a desistir da candidatura para dedicar-se com afinco a campanha de seu sucessor. Como representante latino-americano permaneceu até a lista curta final, Julio Frenk-Mora.

A escolha da China não se deu por acaso. Primeiramente, havia uma forte intenção dos países asiáticos em manter a posição de liderança conquistada nas eleições anteriores da OMS. Em segundo lugar, a China passará a ser, nos próximos anos, um importante produtor mundial de medicamentos genéricos, podendo contribuir para reduzir os preços mundiais dos produtos farmacêuticos – um dos fatores responsáveis pelo rápido crescimento dos gastos globais em saúde nos países desenvolvidos - sendo portanto interesse dos líderes mundiais cultivar boas relações políticas e comerciais com aquele país. Assim, é de se esperar que muitas empresas farmacêuticas multinacionais transferiram suas plantas para a China a fim de realizar investimentos produtivos nos próximos anos[1]. As vantagens comerciais oferecidas pela China ainda influenciaram os países africanos, a votar em massa em favor do candidato apresentado por aquele país.

Por motivos diversos a América Latina, nos últimos anos, tem sido progressivamente posta em segundo plano do cenário mundial. Sua posição de “classe média” internacional leva os países ricos a dirigir a ajuda externa para regiões mais pobres da África e da Ásia. No entanto, existem muitos países latino-americanos onde a pobreza extrema se associa às condições precárias de saúde, como Haití, Nicaragua, Guatemala, Honduras e Bolívia. A extrema desigualdade da Região – muitas vezes não traduzida pelas estatísticas dos informes globais – se reflete em sociedades duais, onde doenças transmissíveis e os problemas de saúde da mulher e da criança, (mortalidade materna e desnutrição, entre outros) continuam atingindo proporções elevadas entre os pobres da Região. Além do mais, a mortalidade precoce dos adultos por doenças crônicas, dada a falta de controles preventivos adequados para fatores de risco como hipertensão arterial, diabetis, obesidade e tabaco, necessitam de soluções urgentes, muitas vezes fora do alcance, dos programas, orçamento do interesse e da capacidade técnica dos Ministérios de Saúde regionais.

Doenças como o Mal de Chagas, que segundo estatísticas da própria OMS apresentam uma mortalidade 5 vezes maior do que a malária na América Latina, não são prioridades de programas internacionais da OMS, tendo os países da Região que mendigar recursos para a busca de soluções tecnicamente e economicamente viáveis para seu controle.

E inégavel que muitos países, às custas do trabalho de seus Ministérios de Saúde, lograram avanços importantes na melhoria da cobertura de seus sistemas de saúde, mas muitos problemas ainda persistem. Países como Venezuela tem experimentado recentemente fortes aumentos na incidência de doenças, antes controladas pelos governos anteriores, como o Sarampo. Neste mesmo país, as taxas de mortalidade por violência triplicaram, atingindo os níveis mais altos da Região e os sistemas de saúde se encontram cada vez mais despreparados para enfrentar mais este desafío epidemiológico e social. O dengue se apresenta como uma ameaça endêmica na Região e os países mais pobres não tem recursos para avançar em formas de detecção, prevenção e tratamento de AIDS. Alguns países do Caribe e outras nações insulares como o Haití apresentam taxas de incidência de AIDS entre as mulheres jóvens (15-29 anos) similares a de muitos países africanos. Poucos progressos tem se dado na redução da mortalidade materna e o acesso a meios contraceptivos entre mulheres em idade reprodutiva é claramente insuficiente para uma política responsável de saúde da mulher, agravada pela mezcla populista-conservadora que continua negando direitos fundamentais femininos, que contribuiriam para reduzir a mortalidade materna, como é o caso do aborto terapêutico, proibido recentemente na Nicaragua e não aprovado pelo senado chileno.

A Região vive uma epidemia de violência fora do controle dos governos (e muitas vezes alimentada por suas estratégias populistas de fechar os olhos para o crime organizado, a guerrilha e a desobediência civil) e apresenta os maiores índices mundiais de condições como depressão unipolar entre mulheres e alcoolismo entre os homens adultos.

Boa parte dos problemas de acesso aos serviços continuan agravados, o que se reflete na alta participação dos gastos diretos de seu orçamento com o pagamento de serviços e medicamentos incapazes de resolver seus problemas estruturais de saúde. Estes gastos, por definição, são regressivos e não trazem soluções técnicas viáveis para melhorar a saúde destas populações. Os altos níveis de gastos das famílias ocorrem pela falta de cobertura (ou cobertura incompleta) dos programas públicos nesses segmentos ou pela incapacidade de organizar estratégias de seguro de saúde – públicas ou privadas, mas acessíveis aos pobres - capazes de aumentar a efetividade dos recursos que gastam neste setor.

Julio Frenk, caso tivesse sido eleito, poderia representar uma grande oportunidade para que as Américas fizessem presentes seus interesses e necessidades no cenário da saúde mundial, contribuindo para uma visão regionalmente mais equilibrada do panorama mundial da saúde e também por uma distribuição internacionalmente mais justa da assistência técnica e recursos financeiros internacionais, não só pela sua extraordinária capacidade técnica e administrativa, mas também pelo conhecimento da realidade mundial e regional de saúde e dos canais de acesso aos fundos internacionais para saúde.

Mas porque será que Julio Frenk não foi escolhido, sequer, pelos países latino-americanos que votaram nas eleições?

A economía política das eleições da OMS na América Latina
O Conselho que elege o Diretor Geral da OMS é composto por 34 países que representam seis Regiões Mundiais[2]. Este Conselho, elege uma lista de 5 finalistas, os quais ao fim passam por uma votação final. A diferença de outros anos, a recente eleição caracterizou-se por uma disputa acirrada, onde os temas de geopolítica acabaram por ser prioritários frente aos temas propriamente de saúde. Vejamos porque:

a) As prioridades de intervenção dos fundos internacionais (multilaterais ou bilaterais) para a saúde se destinam cada vez mais para regiões como África e Ásia. América Latina, como mencionado anteriormente, se encontra em segundo plano frente as prioridades mundiais;

b) Europa e Ásia tem dividido a presidência da OMS desde fins dos anos oitenta, contribuindo para um progressivo esvaziamento da América Latina nas prioridades internacionais de fundos e assistência técnica para saúde[3];

c) Ao dedicar parte de sua agenda a países mais pobres com perfil epidemiológico menos complexo, a política da OMS não entrará em conflito com problemas de saúde comuns entre países da América Latina e países desenvolvidos e que levaríam a eventuais conflitos comerciais, como temas de patentes, investimento em pesquisa e desenvolvimento e transferència tecnológica[4].

d) Considerando os recursos internacionais para a saúde, América Latina gasta em média, mais que os países de mesmo nível sócio-econômico em outras regiões. Mas seus sistemas de saúde, com algumas exceções, tem sido dominados e dirigidos por uma visão tradicional, clientelista por um lado e corporativista, por outro, orientada pelos interesses dos médicos e não pelas necessidades da população. Inovações na gestão, na eficiência e na transparência no uso dos recursos raramente são bem vindas nesse contexto.

Poucos foram os países e ministros da saúde que tentaram inovar, no sentido de transmitir uma visão mais pluralista, mais social e mais eficiente para abordar o difícil tema das políticas de saúde no Continente. Podemos citar alguns nomes mais recentes (entre outros), como os de Juan Luís Londoño na Colômbia, José Serra no Brasil e Júlio Frenk no México. Mesmo com visões nem sempre iguais, todos eles trouxeram inovações importantes que aumentaram a cobertura, a equidade e a eficiência dos sistemas de saúde na América Latina. Isso sem contar os avanços contínuos que vem sendo realizados no Chile, que lançou um programa de saúde definido a partir de estudos de prioridades epidemiológicas e carga de enfermidade durante o Governo do Presidente Ricardo Lagos.

Julio Frenk, como Ministro de Salud do México, realizou um esforço inovador para aumentar a cobertura de populações pobres e excluídas, através de vários programas como o do Seguro Popular de Saúde[5]. Mas antes de ser Ministro de Saúde, já havia se notabilizado tanto como intelectual do setor[6], como pela sua passagem como segunda pessoa na hierarquia da OMS durante a administração de Gro Harlem Brundtland. Sua grande inovação durante esta passagem pela OMS foi a de organizar e aplicar, com o apoio de um grupo de renomados pesquisadores e policy makers do setor, uma metodologia para medir conjuntamente o estado de saúde e a condução da política setoral – país a país – a partir de cinco dimensões relevantes para o setor saúde. Como parte deste esforço se teve, pela segunda vêz na história, uma mensuração global da carga de enfermidade – uma poderosa ferramenta para definir prioridades em saúde - permitindo colocar a epidemiologia como centro do processo de planejamento setorial.

No entanto, a difusão dos resultados desse esforço – publicados no Informe Mundial de Saúde do ano 2000 sob a forma de ranking dos países – foi politicamente catastrófica. Algumas das dimensões, como governabilidade e justiça no financiamento do setor, não tinham suficiente robustez na informação coletada para que fossem colocadas sem reservas como critérios de classificação dos países no referido informe. Alguns dos técnicos que participaram do esforço foram contrários a publicação da informação sob a forma de ranking e sem suficientes precauções que levassem os leitores a conhecer a natureza precaria das informações.

Na América Latina, o informe de 2000 desagradou a alta hiearquia política do setor, incluindo mesmo alguns ministros de carater mais técnico. Obviamente desagradou também ao setor tradicional composto pela classe médica (que nunca quer ser avaliada), a burocracia do setor e parte da academia comprometida com o “status quo” setorial. Os motivos foram muitos. Alguns corretamente criticaram o informe pela simples impossibilidade de fazer rankings confiáveis dada a heterogeneidade da base de informação. Países com sistemas de informação mais sólidos obviamente poderiam apresentar uma informação mais próxima da realidade, enquanto que em outros, os dados não eram consistentes e o intervalo de confiança das estimativas era muito amplo. Outros criticaram simplesmente porque a avaliaçáo e a transparência põe a nú realidades politicamente incômodas e traz a baila a necessidade de políticas que, ao melhorar indicadores, poderiam eliminar previlégios e revelar corrupção, clientelismos e ineficiências.

Mas o Informe foi bem recebido por uma minoria de técnicos independentes da Região e mesmo por alguns Ministros que acreditaram na necessidade de continuar aprimorando os sistemas regionais de informação de saúde, para que os novos instrumentos metodológicos disponíveis pudessem ser aperfeiçoados e uma cultura de avaliação de resultados e intercâmbio de experiências exitosas em saúde fosse estabelecida.

Os países latino-americanos tiveram um papel importante na crítica internacional ao Informe 2000. A administração posterior a de Harlem Brundtland progressivamente desmontou a equipe e desmobilizou os esforços internacionais de pesquisa para a continuidade dos estudos iniciados pela OMS que traríam aperfeiçoamentos nas bases nacionais de dados para dar continuidade a aplicação da metodologia proposta. Esta posição se refletiu, portanto, na posição mantida por alguns países latino-americanos nas eleições da OMS.

Conclusões

A falta de unidade na posição latino-americana sobre o papel da OMS e sobre a necessidade de elevar a importância da Região nas políticas definidas por aquela instituição reflete, por um lado, a falta de um debate regional mais integrado sobre temas técnicos associados a como resolver os problemas de saúde específicos da América Latina, e por outro o elevado grau de conservadorismo político e falta de compromisso com os pobres escondidos nas promessas dos governos populistas. Em boa parte das discussões travadas nos fóruns regionais, se observa mais a disposição de cada país em demonstrar o efeito positivo de suas políticas de curto prazo, as quais não necessariamente são sustentáveis, do que a ouvir as experiências dos seus vizinhos, discutir problemas regionais comuns e traçar uma estratégia regional para enfrentá-los.

Mas a principal consequencia que emerge deste tipo de miopia política do setor saúde latino-americano, e que levou os países a não fechar um apoio regional ao nome de Julio Frenk, é a de que, ao não aprofundar no panorama mundial a singularidade da Região, se perde a oportunidade de implementar políticas globais compatíveis com as necessidades Latino-americanas.

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O autor agradece a leitura atenta e comentarios de Gustavo Nigenda da do Instituto Nacional de Salud Publica (INSP) de Mexico.

Notas

[1] Um dos países que mais se beneficiará com esse processo será os Estados Unidos, onde os medicamentos representam uma alta porcentagem dos gastos em saúde e que espera, em 2007, por em funcionamento um ousado programa de subsídios aos gastos com farmacêuticos para a população de terceira idade (el MEDICARE D).
[2] A Africa é representada por 7 votos (Quênia, Lesoto, Liberia, Madagascar, Mali, Namíbia e Ruanda); as Américas por 6 (Bolivia, Brasil, El Salvador, Jamaica, México e Estados Unidos); o Mediterrâneo Leste com 5 votos (Afeganistão, Baharian, Djibouti, Iraque e Libia); Europa, com 8 votos (Azerbaijão, Dinamarca, Latvia, Luxemburgo, Portugal, Romania , Eslovenia e Turquia), o Sudeste Asiático com 3 votos (Butão, Ceilão e Tailandia) e o Pacífico Oeste, com 5 votos (Australia, China, Japão, Cingapura e Tonga)
[3] Os cinco últimos Diretores Gerais da OMS foram Hiroshi Nakagima (Japão), Gro Harlem Brundtland (Noruega), Lee Jong Wook (Corea do Sul), Anders Nordstron (Suécia) e a recém eleita Margaret Chen (China).
[4] Não é por outro motivo que o Fundo de Pesquisa e Desenvolvimento proposto pela Comissão de Macroeconomia e Saúde nunca saiu do papel.
[5] Ver a respeito Nigenda, G. “El Seguro Popular de Salud en México”, Notas Técnicas de Salud SDS-SOC, Banco Interamericano de Desarrollo, Washington, 2005.
[6] O conceito mais importante por ele introduzido no pensamento sanitário latino-americano foi o de pluralismo estruturado, conjuntamente com seu amigo colombiano Juan Luíz Londoño, em meados dos anos noventa.