domingo, setembro 02, 2012

A Saúde entre Bons e Maus Governos


Ano 7, No. 43, Setembro 2012


André Cezar Medici

 Em épocas de eleições, aqueles mais conscientes procuram sempre olhar para tráz, avaliar o que foi feito e escolhar o candidato que tenha um melhor perfil de realizações em torno de suas preferências. Muitas vezes conta mais a experiência. Mas se não há uma experiência avaliada como sólida pelas nossas expectativas, as vezes vale a pena apostar no novo e correr o risco. Promessas eleitorais são sempre promessas. Muitos dizem o que vão fazer, mas não dizem como. E entre o como e as reais possibilidades pode haver uma enorme diferença. Se não investigamos tudo isso, compramos gato por lebre.

O setor saúde é preponderantemente financiado pelo setor público. Em 2008, se estima que este setor, no âmbito mundial, gastava anualmente a enorme cifra de US$ 6,1 trilhões de dólares, segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde. Desse total, 35% correspondia a gastos financiados pelo Estado, através de impostos diretos e 25% provinham de contribuições sociais cobradas de forma compulsória sobre a folha de salários. Portanto 60% do gasto em saúde tinha origem em fundos públicos.

Num setor onde o maior financiador é o Estado, a busca de soluções deve estar associada a como esta entidade organiza ou financia a provisão dos serviços e gasta esses recursos. E isto nem sempre é fácil. Primeiro, porque o Estado deveria ser governando por princípios éticos de governabilidade, mas quem governa nem sempre se atém aos princípios do Estado. Por ser gerenciado por pessoas, um governo pode, muitas vêzes misturar interesses pessoais dos grupos governantes ou dos funcionários do Estado com interesses sociais da população, em alguns casos sacrificando os últimos em prol dos primeiros.

Os bons governos procuram atender às necessidades de suas populações e seus governantes e funcionários são dedicados servos do interesse público, buscando conhecer as fontes de insatisfação e o que falta para gerar oportunidades reais e felicidade para seus governados, não apenas no presente, mas mirando o futuro.

Os maus governos são aqueles que usam o Estado em benefício próprio dos governantes e quando atendem os interesses da população, atendem aqueles mais fáceis e baratos. Propagandeam o aqui e agora, e não levam adiante o penoso trabalho de construção da cidadania e da equidade. Dão o peixe, mas não ensinam a pescar. Dão o circo, mas não geram oportunidades para que a população encontre seus próprios meios de crescimento e felicidade. Usam a população não para atendê-la como fim, mas como meio de perpetuar o poder e as riquezas nas mãos dos governantes e de seus patrocinadores. Não admitem a alternância no poder e frequentemente dão golpes brancos e mudam as regras para permanecer o máximo de tempo possível no governo se beneficiando privadamente da máquina pública. Discursam sobre a base da demagogia e de ideologias etéreas e distribuem migalhas que não fazem nem crescer a consciência e nem gerar as oportunidades para as presentes e futuras gerações. Se dizem povo ainda que hajam de forma diametralmente oposta às necessidades populares. São os maiores responsáveis pela perpetuação das desigualdades reais, que não se resolvem com a distribuição momentanea de benesses, mas sim com a redução real das inequidades de conhecimento, de destrezas, de habilidades e de pleno gozo dos direitos civis, políticos e sociais.

Bons governos procuram dar o máximo de retorno social aos impostos que arrecadam de seus cidadãos e dimensionam o Estado na medida justa para organizar a sociedade para tal fim. Organizam o Estado de forma transparente e tentam manter a independência entre os três poderes do governo, as funções e o dia a dia dos afazeres de cada um deles. Assim garantem uma fiscalização recíproca, mas ao mesmo tempo uma colaboração honesta na busca do interesse coletivo.

Maus governos são aqueles que, muitas vêzes, procuram usar a máquina pública para comprar reciprocamente os três poderes. Quem detém a máquina de arrecadação e execução orçamentária (o Executivo) pode tentar comprar o Legislativo e o Judiciário e utilizar seu poder e influência para aniquilar os esforços de denúncia da sociedade civil sobre isso, tentando controlar direta ou indiretamente a imprensa, e utilizando a polícia, e muitas vezes a milícia, para fazer barbaridades.

Maus governos aumentam o tamanho do Estado injustificadamente criando um séquito de apaniguados, que ingressam sem regras claras e definidas no poder público e corroboram com os seus interesses escusos. Usurpam da sociedade civil funções produtivas que não devem ser exercidas pelo Estado e não usam o poder do Estado para regular e administrar adequadamente o setor privado e a sociedade civil. Criam funções públicas ineficientes e, como não querem mudá-las a serviço do povo, acabam sendo propositalmente cúmplices de sua própria ineficiência.

Em contrapartida recebem apoio de quem poderia denuncia-los, julga-los ou puni-los e, dessa forma, conquistam  impunidade. Mascaram de todas as formas o que fazem de errado, escondem ou eliminam provas e ainda tem a audácia de dizer que o fazem em prol do interesse comum.  Seus governantes, mesmo quando julgados, frequentemente escapam, com suas riquezas incomensuráveis, adquiridas ou do herário público, ou de propinas ou comissões depositadas em paraísos fiscais, garantindo a prosperidade e a impunidade sua e de seus descendentes. E muitos ainda voltam com a cara limpa, ocupando novos cargos no Executivo ou no Legislativo e aproveitando-se novamente da inocência e da curta memória dos que votam. Em casos extremos, maus governos destroem os segmentos da população que se levantam sobre ele clamando por justiça e democracia.  Em outros casos, apagam aqueles que fazem denuncias sobre o mau uso dos recursos e, mesmo quando descobertos e denunciados, os processos acabam se perdendo em longas investigações até o esquecimento.

Podemos dizer que, em saúde, bons governos são aqueles que atendem as necessidades dos pacientes, enquanto que os maus governos atendem os interesses das corporações de saúde.

Que bons governos procuram criar mecanismos efetivos de comunicação e passam informação transparente para os cidadãos, enquanto que os maus governos repousam na falta de informação e comunicação como meio para dar acesso a benefícios e privilégios assistenciais a quem lhes interessa e deixar quem não interessa no ostracismo.

Que bons governos não se preocupam se os serviços de saúde são de propriedade e gestão pública ou privada, mas se interessam que – qualquer que seja a forma de organização e propriedade dos serviços – os resultados em benefício da população sejam alcançados da melhor forma possível e fazem de tudo para fiscalizar e garantir que a lei seja ousadamente cumprida.

Que bons gobernos não se limitam pelo tamanho de seus orçamentos quando as necessidades de saúde de suas populações são prioritárias e inadiáveis, buscando recursos adicionais ou redimensionando as categorias orçamentárias para tal fim.

Que bons governos não toleram a corrupção em saúde e punem severamente a todos, sejam governantes, legisladores, juízes ou funcionários, que são implicados em atos desta natureza na compra ou entrega de bens e serviços de saúde para a população, tirando-os do cenário institucional e político e levando-os para a cadeia.

Poderíamos tecer muitas outras categorias éticas para dizer como agem bons e maus governos, tanto em geral como em setores específicos como o da saúde e você leitor também poderá refletir e acrescentar suas considerações. Mas o mais importante a dizer é que  nas eleições municipais que se aproximam, sugerimos, para aqueles que acham que a saúde é um bom motivo para a definição do seu voto, procurar saber mais se o seu candidato (no caso de reeleição) ou partido tem um bom histórico de compromisso e implementação de boas políticas e resultados de saúde. Procure investigar, ver quem está por tráz e quem virá como secretário de saúde de seu candidato. Avalie, no caso de reeleição, se as promessas na área de saúde foram cumpridas. E procure também avaliar se as novas promessas que estão sendo feitas no setor são factíveis de serem cumpridas. Verifique como as políticas de saúde propostas pelo candidato se harmonizam com outras políticas que poderiam levar ao crescimento, à cidadania, à melhoria da educação e participação social e a uma maior equidade.

Analise o histórico de casos de corrupção em saúde de cada candidato e de seu partido, ainda que muitas vezes esta informação não esteja disponível, pois não existe uma base de dados nacional que possa informar ao eleitor se o candidato tem ou não ficha limpa. Procure analisar as informações que interessam acompanhar  no seu município e como elas evoluiram nos últimos anos. E se você por acaso acha que o dado não está de acordo com o que você conhece, questione a base de dados escrevendo para os órgãos governamentais responsáveis pela sua produção.

Atualmente, existem vários sites que podem permitir acompanhar indicadores de saúde municipais. A melhor fonte ainda é o DATASUS. Muitos destes dados não estão atualizados e vão somente até 2010 ou 2011, cobrindo um período que vem desde 2006. Mas eles permitem a você ter uma idéia do que avançou em saúde em seu município nos últimos anos e as deficiências de saúde que existem pela frente (1). Analise, não os valores absolutos dos indicadores da administração de cada governo, mas sim como estes indicadores evoluiram entre o início e o final do governo do atual recandidato ou do partido no qual você pretende votar. Assim, você poderá medir não o progresso acumulado, mas o esfôrço realizado pela administração passada e julgar se vale a pena mantê-la no poder ou tentar uma nova opção. Em muitos casos, estou seguro, vocês vão notar que vale a pena manter o que está, em outros, será claro que vale a pena mudar.

Procure também os websites de informações de suas secretarias de saúde estaduais e em alguns casos municipais. Cotege as informações existentes e busque as similaridades e diferenças. Alguns tribunais de contas estaduais também tem dados em seus websites que podem ajudar a entender as auditorias existentes e os pareceres contrários e causas relacionadas à aprovação das contas dos prefeitos, incluindo os temas que estão no setor saúde. Outros sites também apresentam informação interessante. Divulgue o que encontrar – de positivo ou negativo – entre seus amigos, parentes e procure conscientizar os outros a respeito do que você sabe. Assim estaremos contribuindo para que o voto – o maior direito que um cidadão pode ter numa sociedade democrática – seja baseado em evidências e não mais em propagandas, falsidades e promessas não realizáveis.

Notas